segunda-feira, 23 de agosto de 2010

De pracinhas a shoppings

Como jornalista, sinto um certo constrangimento (o que aprendi a chamar de "vergonha alheia") toda vez que pego uma dessas publicações de bairro. São jornais, revistas e boletins que, em geral, desperdiçam a rica oportunidade de estabelecer uma comunicação mais direcionada e comunitária e que se prezam a anunciar produtos e serviços de estabelecimentos da região.
Que isso ocorra nas peças publicitárias e nas seções de classificados, vá lá. O problema é que as publicações fazem propaganda disfarçada na área editorial, em artigos e reportagens. Claro que o leitor comum não tem obrigação de saber como o jornalismo separa e organiza suas seções. Mas ele sabe diferenciar um anúncio publicitário de um texto informativo, sim.
Ou seja, quando lemos uma reportagem que fica linhas e mais linhas dizendo os benefícios e as vantagens da loja tal, surge essa vergonha alheia e a inevitável pergunta: quanto será que o dono pagou para ocupar esse espaço?
Mesmo assim, folheei uma revista do meu bairro neste fim de semana, correndo todos os riscos de encontrar alguma frustração. Mais do que isso, fiquei foi chocada com uma reportagem apresentando um novo centro de compras recém-inaugurado, com restaurantes, lojas de roupas, mercado de comida natural etc.
Entre uma expressão elogiosa e outra, o texto explicava que aqueles 'street malls' eram tendência e que nos Estados Unidos eram uma experiência consagrada. Dizia que tinham surgido para substituir as antigas pracinhas, com a "vantagem de ser um lugar de consumo, além de espaço de convivência e encontros, já que as praças foram suprimidas com o crescimento das metrópoles".
Aquilo me deprimiu. Quem teria tido a coragem de escrever aquele absurdo? Lógico que não sou contra o comércio; trabalho numa instituição mantida por ele e posso me considerar resultado dele, porque meus pais se conheceram trabalhando com venda de sapatos. Mas o comércio nunca, jamais, substituirá os espaços públicos (e mesmo os privados) de convivência. Aqueles lugares para onde vamos para simplesmente não fazer nada, a não ser jogar conversa fora, observar e contemplar as relações humanas e a natureza.
As praças não foram suprimidas pela urbanização. Seguem vivas e determinantes para as boas relações entre nós, seres humanos (e carentes). Nós nos constituímos no contato e na troca com o outro. E não precisamos de intermediários_ especialmente quando este for o consumo.
Ainda bem que existem muitas pessoas que acreditam nos espaços públicos e que procuram ocupá-lo sempre. Eu sou uma delas. Façamos das praças os nossos quintais. E deixemos para os shoppings e street malls a função primária para os quais foram criados.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A lua encolheu!

Está na Folha de hoje:
"Sonda da NASA revela novas rachaduras na superfície lunar, que indica que o astro encolheu."
Inevitável: lembrei dos casais apaixonados, que se inspiram nas noites de lua cheia. Lembrei também das serestas interiorzão afora. E das estradas de terra iluminadas apenas pela lua. Pensei nas marés e nos pescadores. Diz a sabedoria popular que uma grávida próxima de parir deve observar a mudança da lua.
A primeira vez que tomei consciência da existência da lua foi no meu aniversário de um ano. Minha mãe conta que preparou uma festa em casa, em noite de lua cheia. Eu, que já andava e começava a falar, notei aquele brilho intenso no céu. Admirada, perguntei o que era. "A lua... a lua", repeti muitas vezes, puxando as barras das saias ou das calças de cada convidado, que achavam graça da descoberta. Virou história da família.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Carta da semana

Preocupada com a enorme lista de tarefas que teria de cumprir até o final do dia, demorou a entender a mensagem que surgia em sua caixa de correios eletrônicos. "Oráculos da Net - Carta da Semana: A Estrela." O dedo sobre o botão delete exitou e decidiu correr o texto da mensagem. Uma carta com fundo cor de rosa mostrava uma mulher nua, numa ilustração que lembrava o Egito. Abaixo, a frase que leu não apenas uma, mas três vezes.
"A esperança vem da consciência que descortina véu a véu e alcança o absoluto."
Como não via sentido, parou um instante breve e olhou pela janela. O sol batia duro nas paredes branco-pálidas dos prédios. Uma mancha marrom podia ser vista no horizonte. Procurou não lamentar a poluição.
Seus olhos se voltaram mais uma vez para o email. O texto seguia, em tom otimista: "É a carta da esperança de algo muito bom acontecendo. Iluminação, reconciliações, ganhos e fim de aborrecimentos." Sorriu até. Lembrou daquele café prometido a um amigo que não encontrava há tempos. Pensou no vaso de violetas no parapeito da janela, que não recebia água desde... Memorizou o rosa choque das azaleias que coloriam a cidade nessa época do ano. Há quanto tempo não tirava férias? Nem sabia mais...
Desejou um imenso sanduíche de queijo derretido e rosbife bem fininho. Ou um generoso pedaço de melancia vermelho-sangue de tão madura. E doce.
Não lembrava de ter cadastrado o endereço eletrônico em sites de astrologia, mas a chegada daquela mensagem certamente era um sinal. Iluminação, reconciliações e até fim de aborrecimentos!
Como o texto ainda seguia, resolveu ir até o fim e ver o que o destino lhe reservava. Havia algo de estranho, no entanto, porque a frase seguinte apenas orientava: "Para ver a previsão completa, faça uma consulta com os Oráculos da Net. Até o final de agosto, ao adquirir um pacote de 20 minutos (R$ 38) você ganha mais cinco".
Frustrada, dispensou a oferta, mas tomou para si os votos de iluminação. Nunca é demais.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

"Catarina descabelada"

Quando soube que eu me casaria com um filho de húngaros, um amigo ainda brincou: "ué, vai casar com o drácula?" Ri, para descontrair, mas é claro que a ansiedade de conhecer os pais do noivo, numa viagem ao Espírito Santo, onde moram, tomava conta de mim há alguns dias. Como seria recebida? Eu, brasileiríssima, festeira e informal, diante dos futuros sogros, de tradição europeia, gestos contidos...
Pegamos o avião e deixamos a fria São Paulo, em direção ao sol e à praia capixaba. Minha sogra parecia adivinhar minha apreensão por esse encontro. Resolveu o problema com sabedoria e delicadeza, preparando uma receita de boas vindas que ela herdara de sua sogra, em 1964. É um bolinho de sabor suave, assado sem fermento, que vai bem com o café passado na hora, costume esse bem brasileiro, por sinal.
Pois é, minha sogra revelou-se tão acolhedora e boa anfritriã quanto qualquer um de nós. Eu me rendia ali, feliz, a essa nova família.
(E lá se vão seis anos).

"Catarina descabelada" (Borzas kati)

Massa
300g farinha de trigo
100g açúcar
100g manteiga
3 gemas
baunilha

Recheio
3 claras em neve
150g de açúcar
3 colheres (sopa) geleia de damasco
150g castanha de caju moída (ou nozes moídas)

Preparo
Primeiro, faça o recheio. Bata as claras em neve. Acrescente o açúcar, a geleia e as castanhas, misturando bem.
Para a massa: misture os ingredientes com a ponta dos dedos. Não sove. A massa deve ficar granulada.
Para montar numa assadeira, ponha metade da massa e compacte de leve. Espalhe o recheio e cubra-a com o restante da massa, apenas espalhando, sem compactar. Asse por 25 minutos.